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26 de maio de 2017


Canais e Lagoas 

Paulo Renault

Arrependido e mudo deito-me a céu aberto 
sobre as margens quentes e molhadas 
que sem nenhum segredo 
há pouco as águas da Mãe do Norte cobriam. 

Acosto-me e embora ainda confuso, 
arruíno as minhas lembranças 
com o que não há, nunca mais haverá, jamais. 

A insanidade foi tão assoladora, 
amou tanto a si mesma que a jaçanã almada 
não vislumbrara o seu fim 
que a si mesmo causa espanto. 
Foi a inundação do nada onde tudo havia. 

O anum-preto, que de gaitadeira em gaitadeira 
dispunha sua pequena sombra sobre o arisco aratu, 
não canta mais, chamando a companheira 
para juntos voarem canal afora. 

Do Rio das Ciladas e das Pedras ao Pontal, 
emergiram duas grandes mães: 
a do Norte e a do Sul. 
Duas grandes bacias d'água, 
animais e plantas, águas de viver. 
De jangadas, canoas, vidas, gente. 

Viverás de tainhas, carapebas, 
camarões, soias, taiobas, sururus... 

Oh, Mãe do Norte, 
devorai as tristezas nos olhos das crianças 
trazidas para as tuas margens 
pelos ventos dos canaviais, 
palas dobras de Coqueiro Seco, 
de Luzia Santa, do Velho Fernão 
e da cidade que tapou seus alagadiços. 

Oh, Mãe, derrama tuas lágrimas 
águas serenas e escuras 
sobre a minha alma mestiça. 
Quero viver e morrer em ti 
mergulhado e envergonhando 
nas tuas profundezas. 

Quem sabe, minha alma bohêmia e sonhadora, 
bêbada e injusta encontre-se novamente com seu hálito 
e com os passarinhos que me levarão 
para o céu desfeito nas asas da galinha d’água, 
da jaçanã, onde dançarei com a caipora, 
a musa dos manguezais que te margearam.

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