A poesia está morta *
Cicero Melo
A Poesia está morta
E, por enquanto, a enterro,
Não, numa pequena aorta,
Mas numa paixão de ferro.
De ferro que não enferruja.
Ou será tudo ilusão?
Talvez, um dia me fuja,
Quando acabar a paixão.
Mesmo assim, direi, amado:
A paixão é tudo, sê
Para sempre apaixonado,
O olho da amada lê
Teu poema assassinado.
* Poema escrito por Cícero Melo
em 11 de setenbro de 2010:
O casaco de raposa
Cicero Melo
Tudo tão impertinente:
O sul se casa ao silêncio.
A casa, agora, é acaso.
Um mar espelhado espera.
"O poema a seguir é um retorno,
fiz agora (santa inspiração!)"
(Cícero Melo):
Aos encantos de Circe
Cicero Melo
Um sonho de salsugem e saudade
Me reconduz ao cais dos meus perigos.
Meus marujos e naves são antigos.
Uns estão mortos, outros sem idade.
Mortos, também, estão meus inimigos:
Morreram todos: tanta crueldade!
Seus nomes decompostos da cidade,
Sem coração, sem armas, sem abrigos.
Mesmo assim os reclamo mar afora,
Ao retorno do encanto já perdido,
Mas pelo qual meu coração implora.
Feiticeira, devolvo, aqui rendido,
O teu segredo, a sedutora flora,
Nas varizes do tempo envelhecido.
"Este poema, que inspirou o anterior,
já faz parte de diversas antologias":
Sob os encantos de Circe
Cicero Melo
Até regresso ao lar me foi negado,
Eu que vivo ancorado no teu porto.
Feiticeira do mar me tens atado
A teus cabelos de onda, vento morto.
Quando o mar abdiquei por tuas ilhas
Não pensava nas celas dos teus seios,
Levava embarcações de azedas quilhas
Que frágeis acolheram teus enleios.
Agora a lamentar-me o continente
Dos feitos que, guerreiro, lavorei,
Salgas-me os olhos de um cantar nubente
Seduções de sereia, o que me sei
É que o amor fendido vou demente
Singrando a solidão de amargo rei.
Enquanto nos apunhalamos
Cicero Melo
O que é a guerra, senão
Um assalto à mão armada?
Toda paixão quando acaba
A mão sedosa da amada?
O que é a guerra, enfim?
Uma ternura viscosa,
Uma neblina sem fim,
A rosa no fim da rosa.
Enquanto o sol desova
Cicero Melo
Mas tudo mesmo se acaba:
O tempo dentro da vida,
O vinho dentro da taça.
É tudo assim como uma página
Faminta na manhã:
As letras devoram
A traça.
Enquanto nos enganamos
Cicero Melo
A mulher nova
Aquece
O coração do homem velho.
E incendeia o seu bolso.
3 de setembro de 2010
29 de agosto de 2010
Poemas alagoanos
afluente & afluentes*
Ronaldo de Andrade
Cientes calmarias e alagoas
a que porto me destinais?
Causais escândalos no meu peito inflado
de mangues e verde azul.
No entrave das orgias e urubus
negra vocação de mistério e nuvens
é concha calcária este meu corpo ilha.
Foi em jangadas que resolveu dormir
as mundaús
que em mundaú eu vim
filha de afluente – Canhoto
tenho a tiborna do sangue peixe.
Tremendo choro o soluço augusto
- de morte inconsciente usina
- de vida a beleza finda
é nada o nadando ir-se.
(*Do livro "Sombras de Mata e Flecha" -
Coleção Viventes das Alagoas - 1991).
O Gogó-da-Ema
Rosalvo Acioli Júnior*
Ó Gogó-da-Ema dos coqueiros,
o desnaturado – misteriosa e átima
dissimetria que assombra
o vasto coração dos ares.
Em seu ardoroso fetiche vegetal,
ó desnaturado, oprimes as criaturas
(imperador dos pesadelos do estendal),
fluindo transfigurado, dissoluto,
na lúcida memória dos mares.
Ó Gogó-da-Ema, dos coqueiros o desnaturado.
Eterno totem luminoso da Pajuçara.
(*Do livro "Maceió" - Editora Senha - 1987)
Marítimo
Nilton Resende*
O solitário repousa à pedra
o seu corpo de âncora e algas.
Sentindo os dedos das ondas diz
baixo: te peço: me afaga.
Diz baixo e é como se dissessem
a pele, os ossos, a alma.
Já perto vêm uns errantes,
envoltos em capas, em cotas.
O homem levanta um dos braços,
e todo, inteiro, invoca:
meu Deus, salvai-me, cobri-me,
deixa-me liberto da horda.
A tropa, ó talho e gume!,
começa o escárnio, a não dança.
Toma de facas, de maças,
golpeia o que a fúria alcança.
O homem se estende, sorvido,
Tritão destituído da lança.
A ira, agora contida,
contente de seu linguajar,
sorri vendo o homem, seu peso,
que o impede de se levantar.
Também a dele leveza,
levada ao jugo do mar.
(*Do livro "A Poesia das Alagoas" - Edições Bagaço,
organizado por Edilma Bomfim e Carlito Lima – 2007)
Ronaldo de Andrade
Cientes calmarias e alagoas
a que porto me destinais?
Causais escândalos no meu peito inflado
de mangues e verde azul.
No entrave das orgias e urubus
negra vocação de mistério e nuvens
é concha calcária este meu corpo ilha.
Foi em jangadas que resolveu dormir
as mundaús
que em mundaú eu vim
filha de afluente – Canhoto
tenho a tiborna do sangue peixe.
Tremendo choro o soluço augusto
- de morte inconsciente usina
- de vida a beleza finda
é nada o nadando ir-se.
(*Do livro "Sombras de Mata e Flecha" -
Coleção Viventes das Alagoas - 1991).
O Gogó-da-Ema
Rosalvo Acioli Júnior*
Ó Gogó-da-Ema dos coqueiros,
o desnaturado – misteriosa e átima
dissimetria que assombra
o vasto coração dos ares.
Em seu ardoroso fetiche vegetal,
ó desnaturado, oprimes as criaturas
(imperador dos pesadelos do estendal),
fluindo transfigurado, dissoluto,
na lúcida memória dos mares.
Ó Gogó-da-Ema, dos coqueiros o desnaturado.
Eterno totem luminoso da Pajuçara.
(*Do livro "Maceió" - Editora Senha - 1987)
Marítimo
Nilton Resende*
O solitário repousa à pedra
o seu corpo de âncora e algas.
Sentindo os dedos das ondas diz
baixo: te peço: me afaga.
Diz baixo e é como se dissessem
a pele, os ossos, a alma.
Já perto vêm uns errantes,
envoltos em capas, em cotas.
O homem levanta um dos braços,
e todo, inteiro, invoca:
meu Deus, salvai-me, cobri-me,
deixa-me liberto da horda.
A tropa, ó talho e gume!,
começa o escárnio, a não dança.
Toma de facas, de maças,
golpeia o que a fúria alcança.
O homem se estende, sorvido,
Tritão destituído da lança.
A ira, agora contida,
contente de seu linguajar,
sorri vendo o homem, seu peso,
que o impede de se levantar.
Também a dele leveza,
levada ao jugo do mar.
(*Do livro "A Poesia das Alagoas" - Edições Bagaço,
organizado por Edilma Bomfim e Carlito Lima – 2007)
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