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27 de janeiro de 2016

Poemas de Fernando Fiúza


ABRIL
Fernando Fiúza
Abril melava o chão da tarde de cajá
e um gato ronronava dentro do meu peito;
as estradas de lama – quase tudo brejo
onde as almas diziam às rãs coisas do mar.

Não se plantava nada, o mato crescia quieto
e era dono de tudo, dono até das telhas;
a chuva disputava os ares com o silêncio
e um barco de papel coloria a correnteza.

O cavalo mancava – cegos pêlo e crina
que a derradeira luz não mais os penteava -,
a roseta com sangue entre os dentes não gira;
era a vez da leitura e palavras cruzadas.

Abril jamais me foi cruel e sim molhado
- quem sabe são meus olhos, restos do naufrágio.

(De: O Vazio e a Rocha)


BRILHANTE BARATO

Fernando Fiúza

É quando uma mulher bonita passa
passa de graça na calçada em frente
muitas vezes pintada outras sem nada
muitas vezes potranca outras serpente.

É quando uma princesa vira amiga
e não lhe cobra títulos nem taras
uma mulata posa rainha
e uma operária lhe faz coisas raras.

É quando meu amor chega de surpresa
um colo de mãe quando a dor lhe parte
uma carta ridícula de amor,

Toda inutilidade que faz da arte
o luxo que sonhava a natureza
o riso de Deus em noite de horror.

(De: O Vazio e a Rocha)


O VAZIO E A ROCHA

Fernando Fiúza

O vazio esconde a rocha das tormentas:
esquenta e molha, esfrega, esfrega e come:
tem fome e sede tem ânsia e arrebenta
com cinquenta mil rochas num ciclone.

A rocha faz a guerra, fez a bomba
e à sombra do vazio, frágil, se esconde
feito um monge que reza, reza e tomba
na lona aos pés do demo que de longe

Acena as asas negras do vazio.
E um rio, também vazio, também de rocha,
desabrocha dos olhos com fastio,

De um deus vazio, também feito de rocha
que não gosta, mas fez mulher vazio
e, doentio, do pobre homem rocha.

(De: O Vazio e a Rocha)
(Transcritos do blog Antonio Miranda)