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1 de abril de 2014

Gonzaga Leão

 A poesia engajada contra o obscurantismo do regime autoritário

Veja artigo em http://reporteralagoas.com.br/novo/?p=75330

A praça *

Gonzaga Leão
Não te chamo a passeio pela praça
porque a praça morreu e está cercada 
de muros. Há estranhos operários 
trabalhando: em lugar de pá e enxada

usam feios fuzis e sabres sujos.  
E as árvores da praça assassinada
já não podem dar flor nem dar mais fruto
nem mesmo a sombra amiga e desejada.

Por isso não te chamo para a praça   
com este céu de manhã quase noturno 
e operários estranhos e fardados.

Peço-te apenas que me dês a mão 
e juntos amassemos nosso pão                                                                             que se é feito de amor não sai amargo.

* Composto pelo poeta, em julho de 1964, quando da visita aos amigos presos, na antiga penitenciária da Praça da Independência.

Preparação da manhã

Gonzaga Leão

É duro dizer, criança
filho do triste operário
do sofrido camponês
que em vez dos belos brinquedos
que te fariam feliz,
dar-te-ei canhões fuzis
e a noite feita de medo;
contar-te-ei em segredo
(não histórias pra dormir)
que neste imenso país
somente o rico é feliz
só o rico tem porvir;
e contar-te-ei também
que o pão que falta em teu prato
sobra no prato de alguém;
que tua roupa nenhuma
não mais serve a quem a tem.

Mas direi no entanto a ti
(rudemente enquanto falo)
que nessa estrada de agora
não muito distante a aurora
já avia seus cavalos
com seu jaezes de fogo
e ardentes ferros nos cascos
com sua fonte de sol
a celebrar-se nos olhos,
que deixarão claridades
de manhãs onde passarem:
- e não haverá mais sede
boca não dessedentada
rios que não tenham ponte
de paz e fraternidade.

E no chão de todo o mundo
transformado em bem comum
rebentarão as sementes
e o pão será permanente
na mesa de qualquer um.

Fevereiro de 1963