Cidade Atlântica
Iremar Marinho
Uma vazante tardia
alaga a Cidade Atlântica.
Seres anfíbios, acossados,
povoam os bancos de areia.
Maré de caranguejos tortos
(o peso da lama e salsugem)
emerge Brejal adentro.
Os maceioenses,
com a vida torta
dos goiamuns,
entram e saem dos becos, das tocas,
aos encontrões nas ruas tortas.
Entre o mar – a sua cruz –
e as lagoas – a espada
de Dâmocles da tiborna –
Maceió se espreme,
vaporosa e alagadiça.
No embate de mar e água doce,
só os caranguejos sobrevivem,
chafurdando na areia traiçoeira.
A terra prometida –
uma ilha no mapa da restinga –
é dos seres anfíbios afinal.
A redenção é dos caranguejos.
Tapagem do Alagadiço
Iremar Marinho
Maceió tem o seu mapa
traçado num berço de águas.
Entre o mar e a lagoa,
flutua a terra movediça.
Seu povo (seres anfíbios)
afunda e emerge
(afoga-se e revive)
A Cidade Atlântica
é porto de sereias
que aplacam a ira do mar
com orgasmos de sargaços.
Poema a um cão
Iremar Marinho
Ladra o cão na noite,
guardando a entrada
do inferno-horror.
A noite penetra
os cantos escuros
(seus encantos-muros).
O cão irreflexo
(o corpo inflexo)
morde a cauda em círculo.
A noite cai sobre o cão
(os gestos alertas
e negra penugem).
Com o cão na pálpebra,
não espero o dia
de pálida aurora.
Sonho madrugadas
e manhãs perdidas
(encardidos sonhos).
Na noite ferida,
ladra o cão vazio,
rosna vão vadio.
Vaga o cão sem-noite.
Na rua sem-dia,
tomba sob açoites.