A garupa da vaca era palustre e bela
Jorge de Lima
Canto XV - Invenção de Orfeu
A garupa da vaca era palustre e bela,
uma penugem havia em seu queixo formoso;
e na fronte lunada onde ardia uma estrela
pairava um pensamento em constante repouso.
Esta a imagem da vaca, a mais pura e singela
que do fundo do sonho eu às vezes esposo
e confunde-se à noite à outra imagem daquela
que ama me amamentou e jaz no último pouso.
Escuto-lhe o mugido, era o meu acalanto,
e seu olhar tão doce inda sinto no meu:
o seio e o ubre natais irrigam-me em seus veios.
Confundo-os nessa ganga informe que é meu canto:
semblante e leite, a vaca e a mulher que me deu
o leite e a suavidade a manar de dois seios.
Essa infanta
Jorge de Lima
Essa infanta boreal era a defunta
em noturna pavana sempre ungida,
colorida de galos silenciosos,
extrema-ungida de óleos renovados.
Hoje é rosa distante prenunciada,
cujos cabelos de Altair são dela;
dela é a visão dos homens subterrâneos,
consolo como chuva desejada.
Tendo-a a insônia dos tempos despertado,
ontem houve enforcados, hoje guerras,
amanhã surgirão campos mais mortos.
Ó antípodas, ó pólos, somos trégua,
reconciliemo-nos na noite dessa
eterna infanta para sempre amada.
O poeta Jorge Mateus de Lima nasceu há 117 anos (23 de abril de 1893), na então Vila Nova da Imperatriz (hoje, União dos Palmares), no Estado de Alagoas.
23 de abril de 2010
20 de abril de 2010
Tradução de Cícero Melo
A FESTA DA NEVE
Derek Mahon
Bashô, vindo
para a cidade de Nagoya,
é convidado para uma festa de neve.
Há um tilintar de louça fina
e chá na louça fina;
há apresentações.
Então, todo mundo
se amontoa na janela
para olhar a neve caindo.
A neve está caindo em Nagoya
e mais para o sul
nos telhados de Kyoto.
Mais a leste, além de Irago,
ela cai
como folhas no mar frio.
Em algum lugar, estão queimando
feiticeiras e heréticos
nas praças ferventes.
Milhares morreram desde a madrugada
no serviço
de reis bárbaros.
Mas, há silêncio
nas casa de Nagoya
e nas colinas de Ise.
----------------------------------------
DEREK MAHON nasceu em Belfast em 1941. É um dos maiores nomes da poesia em língua inglesa. Este poema foi traduzido de The Snow Party (1975), por Cicero Melo.
Derek Mahon
Bashô, vindo
para a cidade de Nagoya,
é convidado para uma festa de neve.
Há um tilintar de louça fina
e chá na louça fina;
há apresentações.
Então, todo mundo
se amontoa na janela
para olhar a neve caindo.
A neve está caindo em Nagoya
e mais para o sul
nos telhados de Kyoto.
Mais a leste, além de Irago,
ela cai
como folhas no mar frio.
Em algum lugar, estão queimando
feiticeiras e heréticos
nas praças ferventes.
Milhares morreram desde a madrugada
no serviço
de reis bárbaros.
Mas, há silêncio
nas casa de Nagoya
e nas colinas de Ise.
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DEREK MAHON nasceu em Belfast em 1941. É um dos maiores nomes da poesia em língua inglesa. Este poema foi traduzido de The Snow Party (1975), por Cicero Melo.
18 de abril de 2010
Poemas alagoanos
Poema
Jorge Cooper
Fui o auditório de meu pai
Dele ouvi coisas
com que a vida teci
Ele me ensinou a não saber
precipitar amizades
A não viver dentro do círculo de giz
A inverter a ilusão
e a querer bem à humanidade
Sorver o sal e o mel do acaso
Não me procurar esperar-me
- E ainda há quem diga por aí
ser um zero à esquerda do nada
a vida por mim levada
Mundaú (a Lagoa)
Jorge Cooper
Ontem
deu-me de rever a Mundaú
O sol ainda era a metade
no outro lado do mundo
e já nos galhos do mangue
às centenas posava de sangue-de-boi
o aratu
- Mas por lá não vi as canoas
nas coroas de sururu
É que a Mundaú imerge
torna-se quimera
pântano
lamarão da lagoa que era
- Nem sequer continua a ser
o poema à miséria
Lágrima seca nos olhos do povo
esperança enganada
- a Mundaú se faz chão
Mais nada
"Jorge Cooper, pela sua poesia sem arremedos provincianos, destituída de ranços acadêmicos, situa-se no limite entre os “Metaphisical poets” e o lirismo cavalheiresco e palaciano da poesia trovadoresca dos Minnesanger alemães da Idade Média. Isto tudo com pitadas dos goliardos, “poemas proletários”, pois Cooper, em momento algum, sacraliza a oralidade burguesa." (Marcos de Farias Costa – “Jorge Cooper: o Minnesanger Alagoano” – Artigo publicado no Jornal de Alagoas, em 21 de abril de 1987.
Jorge Cooper
Fui o auditório de meu pai
Dele ouvi coisas
com que a vida teci
Ele me ensinou a não saber
precipitar amizades
A não viver dentro do círculo de giz
A inverter a ilusão
e a querer bem à humanidade
Sorver o sal e o mel do acaso
Não me procurar esperar-me
- E ainda há quem diga por aí
ser um zero à esquerda do nada
a vida por mim levada
Mundaú (a Lagoa)
Jorge Cooper
Ontem
deu-me de rever a Mundaú
O sol ainda era a metade
no outro lado do mundo
e já nos galhos do mangue
às centenas posava de sangue-de-boi
o aratu
- Mas por lá não vi as canoas
nas coroas de sururu
É que a Mundaú imerge
torna-se quimera
pântano
lamarão da lagoa que era
- Nem sequer continua a ser
o poema à miséria
Lágrima seca nos olhos do povo
esperança enganada
- a Mundaú se faz chão
Mais nada
"Jorge Cooper, pela sua poesia sem arremedos provincianos, destituída de ranços acadêmicos, situa-se no limite entre os “Metaphisical poets” e o lirismo cavalheiresco e palaciano da poesia trovadoresca dos Minnesanger alemães da Idade Média. Isto tudo com pitadas dos goliardos, “poemas proletários”, pois Cooper, em momento algum, sacraliza a oralidade burguesa." (Marcos de Farias Costa – “Jorge Cooper: o Minnesanger Alagoano” – Artigo publicado no Jornal de Alagoas, em 21 de abril de 1987.
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