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19 de setembro de 2009

Meus poemas - Concerto para flauta-vértebra

Iremar Marinho

Em vez de poeta, sou
o homem do megafone.
Com a palavra no trombone,
anuncio, à luz do dia,
toda tessitura lírica,
todo poema do mundo
para ruir num instante.

Se eu me chamasse Raimundo,
se eu conhecesse Drummond,
se eu visse Pedro Nava,
ruiria num segundo
todo edifício de ossos,
toda escultura-palavra.

Se fosse eu Mayakovski,
seguraria o gatilho
da palavra invertebrada
da revolução vencida
por um tiro atrás da porta.

Todo poema do mundo,
toda construção-palavra
ruindo por um instante,
no lampejo do estampido,
num sopro da flauta-vértebra.

(A mais-valia da bala,
o mundo em desabalada,
uma balada de outubro,
um tiro no dia rubro
ruiu a farsa delírica
da revolução-malogro).

Eu não me chamo Raimundo,
nem Drummond nem Pedro Nava,
só choro às margens do Neva
junto aos mortos de Akhmátova.


(26 de abril de 2009)

Meus poemas - No Mar de Cuba

Iremar Marinho

Para Freitas Neto, jornalista alagoano solidário, morto em acidente aéreo

Restos do naufrágio
são rosas partidas nas ondas,
grinaldas dos afogados
no líquido túmulo
dos sonhos afogados,
da vida arrebatada.

Que barco fantasma pode salvar
a náufraga solidariedade,
o vôo interceptado?

Que ilha posso alcançar,
como gaivota ferida?

Só um cachorro do mar
vela os líquidos túmulos no Caribe,
com vagidos uivos latidos.
Sou eu só.

(18/7/97)

14 de setembro de 2009

Melhores poemas que eu li - Os homens ocos

T.S. Eliot

"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)


Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a ideia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.


(Tradução: Ivan Junqueira)