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27 de julho de 2009

Meus poemas - Novíssimas Cartas Chilenas *

Iremar Marinho

Para Tomás Antônio Gonzaga e José Paulo Paes

No Pacífico chileno, lembro-me
e velejo naus que me guiam
a Pindorama vista desde as caravelas.

Eu era um rosto na armada
(Cabral não sabia
que as Índias de Pindorama
tinham a minha cara).

A Nau Capitânia vai
descobrir o que existe
(Europasiáfrica está nas cartas).

Outro mundo descobri,
quando Pindorama me resgatou
(não estava no Gênesis e no Corão).

Disperso-me? São os ventos do oeste.

Eu não estava no mapa
nem na capa das Metamorfoses.
Ovídio me ignorou e Pérdix,
quando me viu, não cantou
para mostrar sua alegria.

Os canaviais que ainda vão crescer
esmagam a minha esperança
de salvar as matas de Jatiúca.

Agora, sob as estrelas de Cão,
a calmaria me conduz
ao cabeço da praia (terra à vista).

Meu sangue diz que em Pindorama
ferve o mesmo sangue meu
de antigas guerras e degredos.

Na Serra da Naceia
(o porto depois da calmaria),
meu rosto ficou, quando a armada
singrou a rota tupiniquim.

Entre os Caetés, não vislumbro
a destruição que ainda alcançaria,
com os moinhos da Holanda,
a barriga negra engravidada
pelo discurso de Platão.

(Tupã, deus como Júpiter,
não está na mitologia)

Netuno e Minerva não sabem
de Jaci e de Coaraci
nem da mitologia de Zâmbi
que Jorge de Lima arremessa
dos ancoradouros do Muquém e do Amolar.

Ovídio não saberia (nem Prometeu)
que Pindorama criaria outra mitologia
(o Mundaú, de olho cego,
não é o mais limpo dos rios).

O Paraíba do Meio, com olho cego
de Manguaba, não tem,
como o Paraibuna, a reverência
de Murilo Mendes ao Guadalete.

(Disperso-me nas calmarias)

Cabral não sabe que as Índias
estão na minha tribo Caeté,
e começaria ali a destruição
das crenças mitológicas.

Ovídio Nasão nem desconfia
(“tudo o que escrevia era verso”).
O libertino assoma ao Fórum,
mas seus dotes de advogado
não servem para defender
meus Caetés do holocausto.

Pindorama (pé-de-página da carta de navegação)
é anotação aleatória na viagem da armada ao Oriente.

O Cabo das Tormentas (Cabo Não
de todos os transes) preocupa
mais que as perdidas perdizes
(as minhas naus desgarradas).

Cabral quer o Oriente longínquo
(está no mapa, não há dúvidas),
mas não transpõe as tormentas.

As caravelas desabam
em Pindorama das Índias.

Eu alcançaria o Oriente,
se minha nau dispersa rompesse
a calmaria dos abrolhos de Jatiúca.

Agora em Santiago (18 de março de 2000),
minha carta começa e não terá fim.

A vida cumpre a metamorfose mítica
de Públio Ovídio Nasão.
Prometeu leva, pela 2.001ª vez,
sua pedra morro acima.

*Publicado na seção Mural de Poemas do jornal Extra Alagoas (nº 240), de 5 de outubro de 2003