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29 de maio de 2017

Poema de Jorge de Lima

Felicidade

Jorge de Lima

Tão bonita a Lagoa Mundaú!
Eu vi os meninos pobres que iam tirar sururu.
Um bando deles. Uns tinham doze ou treze anos e pareciam ter oito. 
Amarelos. Perto da Satuba tem um massapê ótimo. 
Eles amassam, amassam, fazem balas. 
Cozidas são mais gostosas que sururu. 
E quem não sabe comer barro não sabe tirar sururu, com gosto. 
Comer terra! Quando a bala vermelhinha cor de telha toca na
língua a boca se enche d’água para a bala se embeber. 
Os meninos amarelos têm água por demais na boca. 
Gosto de terra não é gosto de comida, de sal, de açúcar, de carne.
É gosto diferente. De terra! É um gosto doente como gosto de maleita. 
Também quem não tem maleita não sabe tirar sururu com gosto. 
O frio da maleita não se importa com sol nem com chuva 
nem com o frio que está por fora da gente, no ar. 
É um frio que vem de dentro. 
Dá-se a mão e a mão está com 40. 
Mas o frio é bom porque é diferente dos outros frios. 
Os meninos que vão tirar sururu têm os olhos sumidos. 
Mãe-maleita dorme com eles no jirau de pau-cundu. 
Mãe-maleita dá-lhes sonhos de febre. 
Os meninos sonham coisas doidas. 
Que uma inglesinha que passou uma vez 
numa lancha-automóvel veio urinar no massapê. 
Eles sentem o gosto da inglesinha, 
sonhando com o gosto do massapê mijado.
Têm outros sonhos, todos gostosos.
Os meninos tiram sururu com gosto. Ao meio dia o sol tine. 
A água está morna e suja. 
Ali pertinho já é a lama do sururu. Que gosto pisar na lama! 
É diferente de pisar nas praias, na neve, na grama. 
Os pés dos meninos têm sensibilidades inéditas. 
A lama abarca o pé, entra entre os dedos, 
mais grossa do que baba de boi, gruda-se na pele, 
dá uma coceira boa nas frieiras. 
Os meninos entram mais. A lama sobe. 
É uma carícia peganhenta pelo corpo. 
As mãos descem na lama. As canoas afundam de sururu. 
O sol está tinindo, mas ninguém sente calor. 
Tudo é bom. A miséria é boa. A lama é amorosa. 
Parece que a vida é uma feitiçaria de sonho de maleita.

2 comentários:

  1. Essa é a característica mais intrigante no poeta, a meu ver. Saber mostrar uma realidade de forma romanceada.

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  2. Pois é, Ivanise, presente a maestria do poeta Jorge de Lima! Eu vejo ainda que o poema Felicidade é, ao mesmo tempo, uma crônica do cotidiano dos meninos da Lagoa.

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