Felicidade
Jorge de Lima
Tão bonita a Lagoa Mundaú!
Eu vi os meninos pobres que iam tirar sururu.
Um bando deles. Uns tinham doze ou treze anos e pareciam ter oito.
Amarelos. Perto da Satuba tem um massapê ótimo.
Eles amassam, amassam, fazem balas.
Cozidas são mais gostosas que sururu.
E quem não sabe comer barro não sabe tirar sururu, com gosto.
Comer terra! Quando a bala vermelhinha cor de telha toca na
língua a boca se enche d’água para a bala se embeber.
Os meninos amarelos têm água por demais na boca.
Gosto de terra não é gosto de comida, de sal, de açúcar, de carne.
É gosto diferente. De terra! É um gosto doente como gosto de maleita.
Também quem não tem maleita não sabe tirar sururu com gosto.
O frio da maleita não se importa com sol nem com chuva
nem com o frio que está por fora da gente, no ar.
É um frio que vem de dentro.
Dá-se a mão e a mão está com 40.
Mas o frio é bom porque é diferente dos outros frios.
Os meninos que vão tirar sururu têm os olhos sumidos.
Mãe-maleita dorme com eles no jirau de pau-cundu.
Mãe-maleita dá-lhes sonhos de febre.
Os meninos sonham coisas doidas.
Que uma inglesinha que passou uma vez
numa lancha-automóvel veio urinar no massapê.
Eles sentem o gosto da inglesinha,
sonhando com o gosto do massapê mijado.
Têm outros sonhos, todos gostosos.
Os meninos tiram sururu com gosto. Ao meio dia o sol tine.
A água está morna e suja.
Ali pertinho já é a lama do sururu. Que gosto pisar na lama!
É diferente de pisar nas praias, na neve, na grama.
Os pés dos meninos têm sensibilidades inéditas.
A lama abarca o pé, entra entre os dedos,
mais grossa do que baba de boi, gruda-se na pele,
dá uma coceira boa nas frieiras.
Os meninos entram mais. A lama sobe.
É uma carícia peganhenta pelo corpo.
As mãos descem na lama. As canoas afundam de sururu.
O sol está tinindo, mas ninguém sente calor.
Tudo é bom. A miséria é boa. A lama é amorosa.
Parece que a vida é uma feitiçaria de sonho de maleita.
Jorge de Lima
Tão bonita a Lagoa Mundaú!
Eu vi os meninos pobres que iam tirar sururu.
Um bando deles. Uns tinham doze ou treze anos e pareciam ter oito.
Amarelos. Perto da Satuba tem um massapê ótimo.
Eles amassam, amassam, fazem balas.
Cozidas são mais gostosas que sururu.
E quem não sabe comer barro não sabe tirar sururu, com gosto.
Comer terra! Quando a bala vermelhinha cor de telha toca na
língua a boca se enche d’água para a bala se embeber.
Os meninos amarelos têm água por demais na boca.
Gosto de terra não é gosto de comida, de sal, de açúcar, de carne.
É gosto diferente. De terra! É um gosto doente como gosto de maleita.
Também quem não tem maleita não sabe tirar sururu com gosto.
O frio da maleita não se importa com sol nem com chuva
nem com o frio que está por fora da gente, no ar.
É um frio que vem de dentro.
Dá-se a mão e a mão está com 40.
Mas o frio é bom porque é diferente dos outros frios.
Os meninos que vão tirar sururu têm os olhos sumidos.
Mãe-maleita dorme com eles no jirau de pau-cundu.
Mãe-maleita dá-lhes sonhos de febre.
Os meninos sonham coisas doidas.
Que uma inglesinha que passou uma vez
numa lancha-automóvel veio urinar no massapê.
Eles sentem o gosto da inglesinha,
sonhando com o gosto do massapê mijado.
Têm outros sonhos, todos gostosos.
Os meninos tiram sururu com gosto. Ao meio dia o sol tine.
A água está morna e suja.
Ali pertinho já é a lama do sururu. Que gosto pisar na lama!
É diferente de pisar nas praias, na neve, na grama.
Os pés dos meninos têm sensibilidades inéditas.
A lama abarca o pé, entra entre os dedos,
mais grossa do que baba de boi, gruda-se na pele,
dá uma coceira boa nas frieiras.
Os meninos entram mais. A lama sobe.
É uma carícia peganhenta pelo corpo.
As mãos descem na lama. As canoas afundam de sururu.
O sol está tinindo, mas ninguém sente calor.
Tudo é bom. A miséria é boa. A lama é amorosa.
Parece que a vida é uma feitiçaria de sonho de maleita.
Essa é a característica mais intrigante no poeta, a meu ver. Saber mostrar uma realidade de forma romanceada.
ResponderExcluirPois é, Ivanise, presente a maestria do poeta Jorge de Lima! Eu vejo ainda que o poema Felicidade é, ao mesmo tempo, uma crônica do cotidiano dos meninos da Lagoa.
ResponderExcluir