Cemitério dos Navios
Lêdo Ivo
Aqui os navios se escondem para morrer.
Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.
E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.
O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.
A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas
sob o vôo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.
Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho
que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.
E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,
um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.
Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos
varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!
Canto Grande
Lêdo Ivo
Não tenho mais canções de amor.
Joguei tudo pela janela.
Em companhia da linguagem
fiquei, e o mundo se elucida.
Do mar guardei a melhor onda
que é menos móvel que o amor.
E da vida, guardei a dor
de todos os que estão sofrendo.
Sou um homem que perdeu tudo
mas criou a realidade,
fogueira de imagens, depósito
de coisas que jamais explodem.
De tudo quero o essencial:
o aqueduto de uma cidade,
rodovia do litoral,
o refluxo de uma palavra.
Longe dos céus, mesmo dos próximos,
e perto dos confins da terra,
aqui estou. Minha canção
enfrenta o inverno, é de concreto.
Meu coração está batendo
sua canção de amor maior.
Bate por toda a humanidade,
em verdade não estou só.
Posso agora comunicar-me
e sei que o mundo é muito grande.
Pela mão, levam-me as palavras
a geografias absolutas.
Lêdo Ivo, jornalista, poeta, romancista, contista, cronista e ensaísta, nasceu em Maceió, AL, em 18 de fevereiro de 1924. É membro da Academia Brasileira de Letras. Eleito em 13 de novembro de 1986 para a Cadeira n. 10, sucedendo a Orígenes Lessa, foi recebido em 7 de abril de 1987, pelo acadêmico Dom Marcos Barbosa.
Obras: As Imaginações (1944), Ode e Elegia (1945), As Alianças (1947), Acontecimento do Soneto (1948), O Caminho sem Aventura (1948), Ode ao Crepúsculo (1948), Cântico (1949), Linguagem (1951), Lição de Mário de Andrade (1951), Ode Equatorial (1951), Um Brasileiro em Paris e O Rei da Europa (1955), O Preto no Branco (1955), A Cidade e os Dias (1957), Magias (1960), O Girassol às Avessas (1960), Use a Passagem Subterrânea (1961), Paraísos de Papel (1961), Uma Lira dos Vinte Anos (1962), Ladrão de Flor (1963), O Universo Poético de Raul Pompéia (1963), O Sobrinho do General (1964), Estação Central (1964), Poesia Observada (1967), Finisterra (1972), Modernismo e Modernidade (1972), Ninho de Cobras (1973), O Sinal Semafórico (1974), Teoria e Celebração (1976), Alagoas (1976), Confissões de um Poeta (1979), O Soldado Raso (1980), A Ética da Aventura (1982), A Noite Misteriosa (1982), A Morte do Brasil (1984), Calabar (1985), Mar Oceano (1987), Crepúsculo Civil (1990), O Aluno Relapso (1991), A República das Desilusões (1995), Curral de Peixe (1995).
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Caro Iremar,
ResponderExcluirQue maravilha! Salve Lêdo Ivo!
Abraço forte!
Adriano Nunes.
Caro Adriano,
ResponderExcluirQue bom que temos Lêdo Ivo Vivo!
Abraços
Que blog maravilhoso, Iremar!
ResponderExcluirque bom encontrar aqui grandes poemas de Lêdo Ivo!
Be, Agradeço por sua visita e entusiasmo pelo blog e pelos poemas, especificamente do nosso grande Poeta Lêdo Ivo. Falta ainda atualizar a lista dos livros que ele escreveu. Abraços.
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